Crónica do Ricardo Araújo Pereira (Gato Fedorento) n'a Bola:
O cartão de sócio está intacto (e a alma também)
QUANDO o Sporting-Benfica acabou, as câmaras da televisão filmaram a minha cara. Depois de uma catástrofe daquelas, o realizador terá sentido necessidade de mostrar algo de grande beleza. Como é óbvio, lembrou-se de mim. Infelizmente, não teve sorte. Naquela altura, eu não estava propriamente esplendoroso, como é meu hábito. Amigos começaram a ligar-me para me comunicar que estava com má cara. Ainda bem, digo-vos eu agora. Como queriam que estivesse? A rir? Infame. A chorar? Patético. A atitude certa era afivelar aquelas trombas. Significa isso que eu tomei a atitude certa sem sequer pensar, o que contrasta com o que costumo fazer: nas coisas do dia-a-dia, depois de muito pensar, normalmente tomo a atitude errada. É bom saber que, naquilo que verdadeiramente interessa na vida, acerto instintivamente.
Entretanto, um engraçadinho qualquer fez circular pela Internet um desses e-mails pretensamente humorísticos sobre o derby. É um anúncio a umas pastilhas para a azia, ilustrado com a cara com que eu estava no fim do jogo. Como o leitor sabe, esta situação é, para mim, intolerável: não gosto nada de engraçadinhos. Muito menos dos que se põem a achincalhar pessoas. Não se faz. Mas foi nesse e-mail que eu vi, finalmente, a imagem do meu rosto apolíneo no final do derby. Lá estou eu, com a camisola do Benfica vestida, e uma cara de enterro de envergadura histórica. E, ao olhar para aquilo, eu não pude deixar de pensar: «Que linda que é a camisola, pá. Fica-me mesmo bem.» E fica.
Mas a imagem, que foi tirada da transmissão televisiva, tem mais que se lhe diga. No canto inferior direito, por baixo da minha cara e de um repugnante cachecol verde, muito justamente remetido para segundo plano, estava o Chalana, a tentar explicar o que tinha acontecido. Num quadradinho pequeno, um dos maiores jogadores de sempre da história do Benfica; em grande, um palerma desolado. Aquela imagem dá-me um destaque que, embora evidentemente imerecido, é insuperavelmente honroso. Há quem tenha dito que eu apareço ali como símbolo da derrota do Benfica. Sinceramente, gostava que fosse verdade. A derrota é o menos importante: o que interessa é que, durante 10 ou 20 segundos, eu fui a cara do Benfica. Um símbolo do Benfica. Sem o saber, no final do Sporting-Benfica eu tinha realizado o sonho da minha vida. Já podia morrer. E, por acaso, naquele momento até me apetecia.