Este gajo parece mesmo convencido que está a levar a melhor e que me está a dar lições sobre a história do meu clube! Priceless!!!
António Nicolau d'Almeida (1873-1948)
Notícia do «Diário Ilustrado» de 28 de Outubro de 1893, dando conta da carta envida pelo presidente do FC do Porto, António Nicolau de Almeida, ao presidente do Club Lisbonense, Guilherme Pinto Basto.
Carta do presidente do FC do Porto, António Nicolau de Almeida, a Guilherme Pinto Basto, presidente do Club Lisbonense, propondo-lhe um jogo entre os dois clubes. Datada de 25 de Outubro de 1893, a missiva começa assim:
«Illmo. Exmo. Senhor Presidente do Club Lisbonense.
Desejando solemnizar a definitiva instalação do Foot-Ball Club do Porto resolvemos organizar um match quarta-feira próxima 2 de Novembro, no qual tomasse parte um Eleven do Team do Club a que V. Exª tão dignamente preside.
Não temos é certo, em virtude da pouca prática e nenhum training dos nossos jogadores, um Eleven de primeira ordem, capaz de fazer frente ao Club Lisbonense.
Cumpro pois na qualidade de Presidente do Foot-Ball Club do Porto o honroso dever de convidar por intermédio de V. Exª os valentes e adestrados jogadores do Club Lisbonense a tomarem parte do referido match. »
[Nota: O Club Lisbonense, fundado pelos irmãos Pinto Basto e outros amantes do futebol, esteve na base da fundação do CIF - Club Internacional de Foot-Ball, que ainda hoje existe.]
Onde se fala da primeira revolta republicana e de dois dos seus cabecilhas a fugirem de Angola dentro de caixa de aves exóticas – e do FC Porto de António Nicolau de Almeida que desafiou o FC Lisbonense de Pinto Basto. D. Carlos mandou fazer troféu e pô-lo em disputa no campo dos ingleses do Oporto Cricket. Chegou tarde – e a rainha pediu que se jogasse mais um bocadinho. Ganhou Lisboa.
Foi no fogo rebelde que o Ultimato inglês ateara que em Portugal se aqueceu o espírito que levou à primeira revolta anti-monárquica. No Porto. A 31 de Dezembro de 1891. Por volta das três da manhã, o capitão Amaral Leitão e o tenente Manuel Maria Coelho arrastaram para a rua 800 soldados insurrectos.
Às 7, o actor Verdial proclamou a República, nos Paços do Concelho. Às 11, a Guarda Municipal e o 18 de Infantaria tinham a conjura sufocada. Houve dez mortes, só cinco militares – os outros foram espectadores, um dos quais uma costureirinha que pela rua andava, curiosa, a ver o que se passava. Alves da Veiga, o advogado que fora o líder civil da revolução, fugiu disfarçado de poveiro, exilou-se em Paris. O capitão Leitão escapou a cavalo para Viseu, acabou denunciado às autoridades por padre que o reconheceu. 600 acusados de acção no golpe foram julgados em tribunais militares improvisados a bordo de três barcos de guerra ancorados em Leixões – e devido à ondulação do mar por vezes os juízes tinham de interromper as sessões para ir à amurada vomitar.
Leitão foi condenado a 20 anos de degredo.E Verdial, Miguel Henriques Verdial, a três. Ambos foram deportaram para Angola. Sete meses depois evandiram-se dentro de uma caixa despachada por Júlio Rocha de Vasconcelos como contendo aves raras para embalsamar. Descobertos a bordo de um paquete francês, o seu comandante entregou-os às autoridades. Três dias depois fugiram de novo, a nado, por mar – e assim acabaram por chegar a Libreville, no Congo. Embarcaram para o Havre – foram para o Brasil. Leitão voltaria em 1901 – morrendo 24 meses depois. Amnistiado, Verdial regressou ao Porto em 1893, o povo recebeu-o em festa.
Nicolau de Almeida do ciclismo para o futebol
Numa das primeiras edições da revista Caça & Sport pode ler-se, em entrevista de Amadeu Muaze a Eduardo Almeida Coquet: «Já em 1891 e 1892 um grupo de rapazes, entre os quais António Nicolau d´Almeida, Fernando Nicolau d´Almeida, Vieira da Cruz, Lacy Rumsey, Artur Rumsey e George Dagge, vinha trabalhando afincadamente a favor da velocipedia. No primeiro ano, sob o nome de Clube Excursionista, e, seguidamente, em 1892, sob nova designação de Clube de Velocipedistas do Porto, tentam levar a efeito passeios e excursões em bicicleta, algumas corridas, fazendo uma boa propaganda à custa do seu enorme entusiasmo. Àqueles vêm juntar-se outros. Eduardo Rumsey, António Leite de Faria, António Tasso de Sousa, Benedito Ferreirinha, Carlos Rothes, Guilherme Anderssen, Pedro Amorim Júnior, Caetano Marques Rodrigues, Carlos Chambers e Jorge Nunes de Matos, completam o grupo dos apaixonados do pedal. O entusiasmo cresce, e, finalmente, o Velo Clube, pela junção de 44 sócios, ao Clube de Velocipedistas do Porto, passa a usar a designação de Real Velo Clube do Porto, que tinha as suas instalações no Palácio de Cristal. Durante o segundo semestre de 1893 entram muitos sócios, entre os quais figura Sua Alteza o Senhor Infante D. Afonso e, em fins do mesmo ano, Sua Majestade El-Rei concede a quinta do seu palácio da Rua do Triunfo para construção do velódromo, mostrando bem assim o grande interesse que as coisas de sport lhe mereciam.»
FC Porto no... aniversário de D. Carlos e D. Amélia
António Nicolau de Almeida tratava com o pai de uma empresa exportadora de vinho do Porto – e praticava o portuguesíssimo jogo do pau, o remo e a natação. Em 1893 tinha 20 anos. Pouco depois de se lançar na aventura da fundação do Real Velo Club partiu em viagem de negócios para Inglaterra. Por lá descobriu o futebol. Consigo trouxe algumas bolas e o desejo de o lançar no Porto fora dos circuitos fechados dos ingleses. E assim, esfriando o ardor que pusera no Velo Clube, decidiu, com os amigos das corridas de bicicletas, fundar outro clube, um clube de futebol. O Foot Ball Club do Porto. Data escolhida: 28 de Setembro de 1893, nesse o Rei D. Carlos festejava o 30.º aniversário e a Rainha D. Amélia o 28.º A notícia foi publicada, em cima da hora, pelo Diário Illustrado, periódico de Lisboa: «Fundou-se, no Porto, um clube denominado Foot Ball Clube do Porto, o qual vem preencher a falta que havia no norte do país de uma associação para os jogadores daquela especialidade. No segundo domingo de Outubro inaugura-se o clube oficialmente, com um grande match entre os seus sócios, no hipódromo de Matosinhos. Ouvimos dizer que serão convidados alguns clubmen de Lisboa. Que o Foot Ball Club do Porto apure um grupo rijo de jogadores e que venha medir-se ao campo com os jogadores do Club Lisbonense, do Real Ginásio Club, do grupo de Carcavellos ou de Braço de Prata, para animar os desafios de football como já o são as corridas de cicles. Eis o que desejamos.»
E, de facto, no segundo domingo de Outubro realizou-se o «match». O Jornal de Notícias do Porto, de 8 de Outubro, anunciava em notícia de primeira página: «Realiza-se hoje, às duas horas da tarde, no antigo hipódromo um 'match' de football, promovido pelo Foot Ball Club do Porto, tomando parte nesta diversão vinte e dois sócios do referido clube. Os dois partidos são 'capitaneados' pelos srs. Nugent e Mackenie, distintos jogadores e sócios do referido clube. Tomam parte os senhores Fernando e António Nicolau de Almeida, Arthur, Lacy e Roberto Rumsey, Alfredo e Eduardo Kendall, Guilherme Anderson, Wlater Mac Connan, Barbosa, António Maria Machado, José Vale, Artur Ramos de Magalhães, Eduardo Sprakey, A. Johnston, Hans Peters, Jorge Hardy, Joaquim Duarte, Henrique Cunha e A. Vieira da Cruz, etc. Vêm assistir a este torneio as senhoras da colónia balnear da Foz. Este interessantíssimo jogo é uma novidade no Porto e há grande entusiasmo, tendo-se feito já algumas apostas.»
Oito dias depois, o JN inseriu, na sua segunda página, notícia dos treinos do F. C. Porto, acrescentando que, entre a assistência, para além das senhoras da colónia balnear da Foz, estavam, também, as de Leça e Matosinhos. Outras notícias se lançaram de dois jogos, um a 8 e outro a 15 de Outubro, contra o Clube de Aveiro, capitaneado por Mário Duarte.
Mário Duarte, o avô de Manuel Alegre
(A propósito de Mário Duarte. Em 1905, o jornal O Sports lançou plebiscito sobre qual o desportista mais completo de Portugal. Ganhou-o ele - Mário Duarte, então director de Finanças em Aveiro. Para além de futebolista, cavaleiro, nadador, remador, jogador de ténis, de críquete, de golfe – tudo isso foi com sucesso. Mas as suas grandes proezas foram no ciclismo e no tiro. Em 1893 venceu no Velódromo D. Amélia, no Porto – as primeiras corridas de bicicleta que lá se fizeram, batendo os melhores especialistas espanhóis e o mesmo fez em 1898 na pista do Velódromo D. Carlos em Belém por ocasião de festival em honra do Centenário da Descoberta da Índia. Famosos ficaram os seus duelos com D. Carlos no Pavilhão de Tiro aos Pombos da Tapada da Ajuda – e notável foi o seu triunfo sobre o rei para a Taça que Eduardo VII ofereceu durante a sua visita a Lisboa. Avô paterno de Manuel Alegre, o poeta, – um dos filhos disse uma vez: «Ensinou-me e a meus irmãos a perder sem azedume e a ganhar sem nunca ofender os vencidos».)
Foot Ball Club do Porto de... «nenhum training»
O entusiasmo cresceu - e a 25 de Outubro de 1893, António Nicolau de Almeida, na assumida qualidade de presidente do Foot Ball Club do Porto, enviou ao presidente do Football Club Lisbonense, Guilherme Pinto Basto, carta que ele logo avisou não era bem um repto, talvez uma solicitação: «Desejando solenizar a definitiva instalação do Foot Ball Club do Porto resolvemos organizar um match quarta-feira próxima, 2 de Novembro, no qual tomasse parte um eleven do team do clube a que V. Exa. tão dignamente preside. Não temos, é certo, em virtude da pouca prática e nenhum training dos nossos jogadores um eleven de primeira ordem, capaz de fazer frente ao do Club Lisbonense. Como, no entanto, o n/convite não representa um repto lançado pelos n/jogadores aos jogadores de Lisboa, mas tão-somente o vivo desejo de estreitar relações de franca camaradagem, esperamos que V. Exas. nos revelarão a n/justificada imperícia. Cumpro, pois, na qualidade de presidente do Foot Ball Club do Porto, o honroso dever de convidar por intermédio de V. Exas. os valentes e adestrados jogadores do Club Lisbonense a tomarem parte no referido match. Na esperança de sermos honrados com a anuência ao n/pedido, aguardamos o favor de uma resposta rápida p.ª n/governo. Deus guarde V. Exas. Illmo. Exmo. Sr. Presidente do Football Clube Lisbonense.»
Anúncio dessa mesma carta seria estampado na página 3 do Diário Illustrado de 29 de Outubro de 1893. Foram linhas escritas por um primo de Guilherme Pinto Basto que, de tão bem informado, acrescentaria que, para a data proposta, não seria possível «reunir, escolher o grupo e dispor a partida em tão curto espaço de tempo», mas garantido ficava que o convite fora aceite.
Mais um bocadinho, pediu a rainha
O Football Clube Lisbonense tinha, por essa altura, nas fileiras três jogadores negros: Alfredo Silva, Pascoal e Valentim Machado. Pascoal era a estrela — e depressa ganhou o título de primeiro melhor jogador de Portugal. E Valentim Machado fama no jornalismo desportivo e na poesia. Convencido por Pinto Basto, D. Carlos ofereceu para a disputa uma taça em prata maciça executada pelo joalheiro da casa real, «o célebre Leitão do Largo das Duas Igrejas, ao Chiado» – e solicitou que o match fosse incluído no programa oficial das festas comemorativas do Centenário Henriquino, organizadas, no Porto, à memória do infante, a 2 de Março de 1894. Outra exigência real: «que pelo menos teriam de ser portugueses, devidamente comprovados, seis jogadores de cada team representativo – e os restantes cinco estrangeiros teriam de lá viver há mais de três meses». Ao troféu deu o nome de Football Championship das Cidades de Portugal – porque a sua ideia era que se viesse a disputá-la os «teams representativos das diversas cidades do país».
A equipa de Lisboa seguiu de comboio para o Porto, 14 horas durou a viagem. Três horas após o desembarque, na Campanhã, fez-se o jogo, no campo pertencente ao Oporto Cricktet and Law-Tennis Club, em Campo Alegre. Estava marcado para as três da tarde, começou um quarto de hora depois. D. Carlos, D. Amélia e os príncipes só chegaram quase no fim da partida – e segundo o Diário Illustrado, «a pedido de Sua Majestade a Rainha, jogou-se mais 10 minutos, sendo previamente estabelecido que não teriam influência no resultado do match que se tinha acabado de jogar».
O Século notou, irónico: «à entrada do campo, bem como à saída, as Majestades foram muito vitoriadas, principalmente por ingleses». Os lisboetas venceram por 1-0. De nenhuma crónica consta o nome do marcador do golo. Sabe-se, apenas, que mereceu ser classificado de esplêndido e que para a sua marcação contribuíram Afonso e Carlos Vilar, Rankin e Paiva Raposo. E segundo o Diário Illustrado parece que os postes das balizas não se encontravam à distância legal um do outro e que a trave não estava à devida altura. A Taça a que alguns ainda agora chamam D. Carlos era para ser disputada todos os anos. Não passou do primeiro – e ficou em poder de Guilherme Pinto Basto. Que, quando fundou o CIF, em 1902, a levou, como relíquia, para a sua sala de troféus.
Dos eléctricos aos símbolos do escândalo
Oito dias depois do jogo entre o FC Porto e o FC Lisbonense, O Sport publicava a seguinte nota: «Depois do match entre Lisboa e Porto nada tem havido de notável no futebol. Apenas no domingo, 11 de Março, alguns sócios do Foot Ball Club do Porto estiveram no campo do antigo hipódromo de Matosinhos, treinando-se durante duas horas» - e essa foi a última referência feita ao Foot Ball Club do Porto de António Nicolau de Almeida...
(Vários meses passados, já em 1895 – o Porto agitou-se com outra grande novidade: os carros eléctricos que começaram a cruzar a cidade. Em Lisboa tal sucedeu apenas em 1901 – e um jornalista considerou que com isso grandes riscos se abriam: «Os relâmpagos serão inevitavelmente atraídos pelos cabos eléctricos, pondo a vida dos passageiros em perigo».
Também ao Porto chegaram primeiro os animatógrafos, como se chamaram às salas destinadas a projecções de cinema – desde 1896 que Aurélio da Paz do Reis exibia as suas «fotografias animadas». O Salão Ideal apenas abriu em Lisboa em 1904, no ano em que se fizeram também as primeiras ligações telefónicas entre as duas principais cidades. Contudo ao telefone já se falava desde o final do século. As entradas para os animatógrafos custavam seis vinténs, mas porque a «obscuridade das salas é propícia à sedução e à intimidade» e pelos filmes passavam «paixões ardorosas» permaneceram vários anos símbolo de escândalo «interdito às meninas da sociedade»...)
Nicolau de Almeida desviado para o ténis
Em 1896, António Nicolau de Almeida casou-se com Hilda Rumsey, irmã de Arthur e Lacy Rumsey. E ela não descansou enquanto não o desviou dos campos de futebol: porque o achava «jogo muito perigoso» e não tão chique como o ténis, cada vez mais o desporto... high-society. A 26 de Outubro de 1900 lá esteve ele no aristocrático Sporting Clube de Cascais a disputar torneio de ténis, patrocinado pelo Rei D. Carlos entre as equipas de Lisboa e do Porto. A seu lado, pelos portuenses, alinharam o irmão Fernando, Laura e Beatriz Brito e Cunha, Miss Kendall, Miss Dagge, Turner, George Dagg, Miranda e Kendal; e, pelos lisboetas, para além do D. Carlos e do Infante D. Afonso e de Guilherme Pinto Basto jogaram Conceição e Teresa Guarda, Leonor Atalaya, Maria de Jesus Salema, António Mendia, Boaventura Mendes de Almeida, Pinto Coelho e Luís Pombal – e Lisboa venceu como antes vencera no futebol.
Ténis continuou António Nicolau de Almeida – e em 1906 viagem de José Monteiro da Costa traçou novo caminho: arefundação do FC Porto que ele deixara a hibernar. Camilo Moniz, um dos que entraram na aventura, contou: «O José Monteiro da Costa era presidente de um grupo composto por rapazes que procuravam gozar a vida o mais divertidamente possível. Ingressar no Grupo do Destino, que tinha como objectivo a folia e como divisa ‘um por todos e todos por um’, não era coisa fácil, porque a selecção era rigorosíssima e o seu número quase limitado. No entanto, quando era admitido algum novo sócio, realizava sempre o grupo uma festa em sua honra (a festa de baptismo), onde eram postas em jogo as qualidades gastronómicas do novato e mal lhe ia se não desse provas de bem comer e beber. Chá e bolos eram coisas que se dispensava. Um belo dia José Monteiro da Costa partiu para uma digressão por Espanha, França e Inglaterra. Neste último país assistiu a vários jogos de futebol, cujas impressões descrevia com enorme entusiasmo nas cartas que enviava à rapaziada. E tais desejos manifestava de no seu regresso o pôr em prática dentro do Grupo do Destino, que os de cá já se sentiam jogadores do desconhecido jogo. Sabida a sua chegada, foi quase todo o grupo esperá-lo à estação de Ermesinde, para o acompanhar até ao Porto. No trajecto, como homem de acção rápida, explicou resumidamente o que tinha visto e o que tencionava fazer, marcando logo uma reunião para se resolver a melhor forma de pôr em prática o seu projecto, que todos já aplaudiam sem reservas – e depois de bem estudadas todas as dificuldades foi resolvido, sem a mais pequena discordância, jogar futebol...»
A caminho de novo FCP, o espanto do italiano
Jerónimo Monteiro da Costa, pai de José, horticultor, era, tal como seu filho, membro da União dos Jardineiros do Porto. Na Rua da Rainha (que com a implantação da República haveria de passar a chamar-se Rua Antero de Quental) existiam uns terrenos arrendados à Companhia Hortícola Portuense, para viveiros de plantas, mas como não eram aproveitados na sua totalidade, fácil se tornou a Monteiro da Costa conseguir a cedência ao Grupo do Destino dessa parte disponível, bem como de uma pequena casita onde instalou vestiário e balneário. Marcar por lá um rectângulo de cerca de 50x30 metros e espetar umas toscas balizas também não foi difícil, apesar das linhas serem traçadas a pincel molhado em cal desfeita em água. Bola havia, o presidente tinha trazido algumas na sua bagagem. Botas? Compraram-se que fossem fortes, mandaram-lhes pôr gáspeas a reforçar e na sola umas travessas – para que se aproximassem das que Monteiro da Costa tinha comprado em Inglaterra. As camisolas foram feitas de um pano vermelho e forte que havia nessa época e os calções de uma espécie de ganga azul-escuro. As meias, serviram as que nesse tempo usavam os ciclistas. E foi assim que os rapazes do Grupo do Destino começaram a jogar o futebol. Ou a pensar que jogavam. «Pouco tempo depois da chegada do seu presidente, o Grupo do Destino tinha duas equipas dentro de ‘uma caixa de fósforos’; no campo improvisado da Rua da Rainha, que davam durante horas pseudo pontapés numa bola, sem terem quem os orientasse, sem progredirem, mas também sem desanimarem. E como poderiam desanimar se, exceptuando o seu presidente, nunca tinham visto jogar melhor? Quis o acaso favorecer os rapazes do Grupo do Destino. Um dia foi visitar a Fábrica de Salgueiros, para onde davam as traseiras do terreno arrendado ao Grupo do Destino, um químico italiano, Catulo Gadda. Como de lá tivesse visto saltar uma bola de futebol, não resistiu sem subir ao muro de vedação para averiguar do que se tratava... Ao deparar-se-lhe um grupo de rapazes equipados a dar pontapés numa bola pediu autorização para entrar. Sabia, disse, algo daquilo.»
O porquê das cores da Monarquia
Catulo Gadda tinha sido um bom jogador num dos principais clubes de Itália – e quando deu o primeiro pontapé deixou toda a gente boquiaberta: «a bola atravessara o campo no seu máximo comprimento». Logo ali assinou proposta, ficou a fazer parte do Grupo do Destino. Monteiro da Costa achou que o Grupo do Destino era pequeno para o sonho que desatara, que era hora de clube que « não se confundisse apenas com um grupo de rapazes bem dispostos, na fronteira da folia ou da libertinagem» – e decidiu: «O nosso futuro clube deve chamar-se Foot Ball Club do Porto, por os seus fundadores serem na sua quase totalidade tripeiros natos, a sua sede na cidade do Porto e o principal desporto a que se vai dedicar - o futebol.» Porém, como outros desportos, conforme o seu projecto, seriam praticados, tratou de acrescentar à denominação duas mais abrangentes palavras: Sociedade Desportiva. Que sim, disseram, sem pestanejar, todos os outros. Estranho foi que sendo Monteiro da Costa, republicano nunca disfarçado, anunciasse que as cores do clube seriam as da «bandeira da Pátria» - azul e branco, como nos dias de António Nicolau de Almeida. Houve quem replicasse – e sugerisse as da cidade. Sugestivo, Monteiro da Costa ripostou - que não, que seriam as bandeira porque «tinha esperança de que o futuro clube havia de ser grande, não se limitando a defender o bom-nome da cidade, mas também o de Portugal em pugnas desportivas contra estrangeiros». E assim aprovado, entre aplausos ruidosos, todo o «grandioso projecto» de José Monteiro da Costa. E com os fundos recolhidos pelo Grupo do Destino para a participação com um carro alegórico no cortejo de Carnaval do Clube dos Fenianos financiaram-se as despesas de lançamento do FC Porto, Sociedade Desportiva – e sobretudo com isso se fez no Campo da Rainha o primeiro relvado que houve no futebol português. E ao FC Porto coube igualmente o primeiro desafio contra equipa estrangeira: o Real Fortuna de Vigo – o que se perdeu na usura do tempo foi o resultado desse primeiro jogo...
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