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Portugal E Suécia: Extemporaneidade E Maturação


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Vítor Sousa

 

A coexistência, dentro da mesma entidade civilizacional, de uma multiplicidade de culturas e mundividências, apesar de representar um truísmo, constitui um diagnóstico inelutável que se solidifica quando germinam os contactos com congéneres civilizacionais portadores de diferenças culturais. As discrepâncias entre o sul e o norte europeu já foram, amiúde, dissecadas, destacando-se a percuciente obra de Antero de Quental e, mais tarde, aquela que propiciou a impulsão de Max Weber aos píncaros da notoriedade, com o “A ética protestante e o espírito do capitalismo”.

 

Os diálogos com cidadãos europeus do norte, apesar de frequentes, reduzem-se, quase, à Alemanha, escasseando a presença de pessoas provenientes dos três solitários que pairam sobre o continente europeu. Ontem, todavia, reencontrei uma cidadã do Mundo, natural da Suécia. Depósito de 26 anos galopantes, terminou o secundário no seu país e iniciou um périplo pelo Mundo – cingindo-se a ele, presumo, porque é refém das limitações do embrionário século XXI –, contemplando paragens tão díspares quanto a Índia e a Costa Rica. Poliglota, estudou italiano na Sicília, tendo regressado este ano a Itália para prosseguir os estudos da Língua de Dante numa escola homónima, em Siena. Oito anos depois de ter abandonado o ensino convencional, continua apartada dos edifícios universitários, nos quais deverá imergir, somente, depois do inclemente tempo suplantar a barreira dos 30 anos. Sem ocultar a estupefacção pela idade média com que um europeu sulista acede ao Ensino Superior, apercebo-me de que ascende a quase 12 anos a diferença cronológica entre um neófito universitário português e um similar sueco. Em Portugal, inclusive, é recorrente a entrada na Universidade de jovens a bordejar os 18 anos, realidade que provocou a emersão de uma pergunta cáustica: “Os portugueses, com essa idade, já têm maturidade para tomar uma decisão que pode influenciar toda a vida?” Embarguei a resposta verbal, substituindo-a por um sorriso sintomático.

 

Na verdade, um paradoxo detecta-se em Portugal, corrosivo para o indivíduo e para o corpo social. A puerilidade que dilata a adolescência até o paroxismo do absurdo conjuga-se com a necessidade de emitir veredictos precoces, os quais podem vincular toda a vida futura. Perfilando-se no campo do paradoxo com a escolha do caminho universitário está a necessidade de, aos 14/15 anos, segregar saber e enveredar por um esquisso de especialização. Compreendendo a imperiosidade de filtrar conhecimento, parece-me irrefragável a afirmação de que, com aquela idade, as possibilidades de erro são incontornáveis. O recuo, devido ao paradigma vigente, não é aconselhável, sendo o jovem coagido a suportar um calvário estéril motivado pela exigência de decisões órfãs de ponderação. Quantos denodados – ou pusilânimes – arfam, quase asfixiados, na clausura de um determinismo social, ansiando pelo ar monopolizado por um outro compartimento? Existe, naturalmente, a hipótese de conferir exequibilidade à cobiça do saber holístico, mediante uma relação “oficiosa” com outras aldeias do conhecimento. Todavia, a condição de orbívago do saber, conquanto produza fascínio, não é avalizada pela “sociedade”, cultora dos comprovativos físicos, simbolizados, sem mácula, pelo hierático “canudo” tributário das sacralizadas “notas”.

 

As vicissitudes económicas, que se transformam em pólo aglutinador de muitas famílias portuguesas, impulsionam, indubitavelmente, a extemporaneidade, estando a emancipação do Homem refém da tardia emancipação financeira. Na Suécia, arquétipo de prosperidade, é usual - segundo as informações absorvidas - a reivindicação de uma liberdade mais extensa aquando da entrada na maioridade, com o jovem a abdicar do escudo habitacional da família. Vivendo longe dos pais, procura empregos sazonais, no seu país ou no estrangeiro, preservando como desígnio distante o acesso à universidade. A possibilidade de execução de tarefas várias e divergentes, conjugadas com a contemplação e dissecação de diversos cenários culturais e civilizacionais, assegura ao indivíduo uma mundividência mais escorreita, além de contribuir para um diagnóstico mais abalizado acerca da vocação que lateja em si, à espera da libertação. O cidadão sueco que, concluído este período de auscultação de si e do Mundo, se embrenha no Ensino Superior deverá dispor de maior imunidade ao erro. Em Portugal, pelo contrário, pululam os acabrunhados diplomados, os quais se deparam com uma conjura funesta: além das muralhas que inviabilizam o acesso ao emprego, detectam a incompatibilidade entre o que desejam e as competências oficialmente adquiridas. A Universidade, como símbolo de uma determinada tortura para muitos, transforma-se num albergue de “vencidos da vida”que, por imperativos naturais, renunciam à procura do saber, dedicando-se à missão de encontrar o penhor da subsistência física, sacrificando o incorpóreo, amiúde avaliado como uma excentricidade de loucos, vadios ou abastados.

 

Confunde-se, com regularidade, o percurso académico com o seu homólogo intelectual. O erro é primário – embora a relação possa apresentar pertinência -, porquanto o primeiro, potencialmente finito, assenta essencialmente em diagnósticos estanques, momentâneos e, porquê ocultá-lo, fugazes e artificiais. Nos antípodas está o percurso intelectual, afluente, também, do percurso académico, mas dele independente, genuíno e perene. Note-se que pode ser genuinamente medíocre ou refinado, como eternamente débil ou vigoroso. É, por isso, com fastio e por mesura que ouço a proverbial indagação: “O que estudas?”. Devido à consciência da degeneração do verbo “estudar”, respondo: “Nada”. E logo eclodem estrepitosos risos de compreensão, como se mais um “pobre diabo” tivesse sido descoberto.

 

Fonte: http://jvcosta.planetaclix.pt/novos.html#23022006

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