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Vida Morte E Renascimento Segundo O Budismo


Satthyia
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Vida Morte e Renascimento segundo o Budismo Tibetano

 

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Quem nunca teve na vida um momento em que se apercebeu que cada dia a mais é um dia a menos? O tempo passa, sem nunca parar e a morte é a nossa única certeza. No Oriente as pessoas, em vez de evitarem pensar na morte, preparavam-se para ela como o desportista para a competição ou o guerreiro para o combate. Era uma evidência que não suscitava nem medo nem esperança.

 

Embora ninguém possa negar a realidade da morte, no nosso mundo moderno é inconveniente falar dela, pensar nela, ou mesmo encarar a sua eventualidade. Tememos a morte. Não falamos dela senão indirectamente, e os próprios doentes muitas vezes não têm o direito de saber que estão condenados. Todos sabemos o que nos espera, mas a morte enche-nos sempre de consternação. Para nós, é como se ela não fizesse parte da vida: preferimos ignorá-la. No entanto, morrer dignamente é pelo menos tão importante como viver com rectidão. E como podemos nós enfrentar uma coisa que passamos a vida a tentar ignorar?

 

Nem sempre assim foi nas sociedades humanas. A morte foi considerada em algumas como o limiar de uma grande passagem, uma iniciação, uma porta dando acesso aos mistérios do mundo, raramente acessíveis aos vivos. Cada civilização teve a sua abordagem da morte e uma sabedoria própria. Infelizmente, a nossa sociedade moderna encontra-se particularmente impotente face à morte. Na nossa concepção do mundo não cabe uma tal aberração, um tal monstro, um pesadelo desses. Com a sua experiência milenar, o Budismo pode trazer algumas respostas quanto ao que nos espera do outro lado da morte e oferecer alguns conselhos sobre como nos prepararmos e ajudar os outros a preparem-se para esse momento derradeiro.

 

Em primeiro lugar, a tradição Budista tibetana considera a morte como uma passagem, uma etapa num processo bastante mais vasto que engloba nascimentos e mortes sucessivas, formas de existência variadas, vários registos da consciência humana. Neste contexto alargado, a morte deixa de ser um acontecimento único e traumático, o limiar do nada ou do mistério. Ela apresenta-se então como a dissolução do suporte físico e das formas menos subtis da consciência que está ligada ao corpo e constitui uma experiência da qual podemos tirar partido para aumentar e aprofundar o nosso conhecimento de nós mesmos e do mundo. É também a ocasião por excelência para tomarmos contacto com a nossa natureza profunda, essa luminosidade natural do nosso espírito que está sempre presente e que nada pode alterar.

 

Mas para podermos aproveitar esta ocasião, temos de poder vivê-la com serenidade. Os Budistas desenvolvem pois um sentido das responsabilidades dos seus actos uma vez que a morte, o estado intermediário e o próximo renascimento dependem deles.

 

Contrariamente a certas teorias postulando que o renascimento é sempre num sentido evolutivo, o Budismo vê a vida como um fluxo contínuo, por vezes ascendente, por vezes descendente, em função da natureza positiva ou negativa do nosso karma, ou seja, da resultante positiva ou negativa das nossas acções. Isto quer dizer que somos responsáveis pelas nossas reacções, do caminho positivo ou negativo que tomamos, e que é muito importante conhecermos as implicações das escolhas que constantemente temos de fazer na vida.

 

No fluxo contínuo da vida, da morte e do renascimento, o Budismo reconhece várias fases ou bardos. Esta palavra tibetana quer dizer “transição” ou “intermédio”. Tecnicamente falando, os textos budistas reconhecem quatro ou seis tipos de bardo, segundo as escolas. Isto quer dizer que no processo contínuo da vida, da morte e do renascimento, o nosso espírito passa por vários estados. Cada um deles é passageiro e é nesse sentido que se fala de estados intermediários.

 

A apresentação mais simples fala de quatro bardos. Trata-se do bardo da vida que dura do nascimento até à morte; do bardo do momento da morte que é o processo de agonia e de cessação das funções vitais; do bardo da vacuidade que corresponde ao momento em que a consciência faz a experiência da luminosidade natural do espírito, ou clara luz, e por fim do bardo da existência que corresponde ao período entre a experiência da clara luz e o renascimento seguinte.

 

O bardo da vida é a vida, tal como a conhecemos. Mas que se passa quando ela acaba, no momento da morte? As sensações correspondentes ás diversas fases da morte são descritas nos tratados tântricos com muitos detalhes. Existem várias obras traduzidas em francês e inglês que dão detalhes muito concretos podendo interessar especialmente as pessoas cuja profissão implica o acompanhamento dos moribundos.

 

Embora possa parecer estranho que um conhecimento tão detalhado desses instantes decisivos seja possível, estes ensinamentos são muito antigos e vêm-nos directamente do Buda. Se reflectirmos melhor, veremos que parece bastante lógico que uma completa realização espiritual, como aquela que o Buda atingiu, permita rasgar o véu que nos impede de abarcar todos os processos da existência como um fluxo contínuo.

 

Segundo o budismo, quais são então as nossas experiências nos derradeiros instantes da vida que agora vivemos? O Budismo explica que no momento da concepção a nossa consciência entra na matriz da mãe e toma como suporte a união das células masculina e feminina. Nos textos fala-se da essência branca do pai e da essência vermelha da mãe como os aspectos subtis dessas duas células que presidiram à nossa concepção e dizem que essas essências perduram durante toda a nossa vida. Por outro lado, tal como o mundo físico exterior, também o nosso corpo é formado pela interacção dos cinco elementos ­– terra, água, fogo, ar e espaço. No momento de morrer estes cinco elementos dissolvem-se uns nos outros e cada etapa desse processo é acompanhada por certas sensações particulares. Por último, a consciência dissolve-se na vacuidade e é aquilo que consideramos como sendo a morte, o momento em que o espírito e o corpo se separam. Nesse momento as essências branca e vermelha de que falámos dissolvem-se no coração. No final de todas as dissoluções o moribundo tem a experiência directa da luz clara, uma luminosidade que foi descrita como uma “aurora imaculada num céu de Outono perfeitamente limpo”. Essa é a consciência fundamental, a base de todos os outros níveis de consciência e a única que está sempre presente em todas as fases do contínuo da existência.

 

Mas a maior parte dos seres não reconhecem esta luminosidade, têm medo e perdem consciência, como se desmaiassem. Este estado de obscuridade dura cerca de três dias após os quais, pela força dos hábitos mentais, o defunto como que “renasce” num corpo mental. Este processo de restruturação da consciência marca o início do bardo da existência.

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Durante a primeira parte do período que decorre entre a morte e a próxima vida – cerca de quarenta e nove dias, em média – a forma desse corpo mental, bem como todas as alucinações experimentadas pelo defunto estão relacionadas com a vida que acabou de deixar. Na segunda parte, as suas experiências estarão sobretudo relacionadas com a futura existência. Durante este segundo período ele irá ter certos presságios indicando a natureza do seu próximo renascimento, o qual dependerá dos actos anteriores.

 

Quando a oportunidade de um novo renascimento surge, e no caso de um renascimento humano (o budismo considera várias formas de renascimento possíveis, incluindo o animal), o ser que se encontra no estado intermediário verá os seus pais no acto de procriação. Em função do seu karma passado, poderá sentir atracção pela mãe e ciúmes do pai e nesse caso renascerá com o sexo masculino, ou sentir atracção pelo pai e ciúmes pela mãe e nesse caso renascerá com o sexo feminino. No momento em que a consciência integra a união do espermatozóide e do óvulo, o ser perde de novo consciência. Durante os nove meses de gestação a consciência restruturar-se-á progressivamente, mas a memória do bardo e da vida anterior estarão perdidas. Excepcionalmente, certos seres podem recordar-se, por vezes até com uma incrível nitidez, de acontecimentos de uma vida anterior. No entanto, estes casos são excepcionais, e em geral, aparte os Mestres espirituais, ninguém guarda essa memória.

 

Do ponto de vista dos médicos e enfermeiros, bem como dos familiares e amigos, que podemos nós fazer para ajudar o doente a fazer face a atravessar todas as fases da aproximação da morte e os derradeiros instantes de vida?

 

Numa primeira fase, o importante é ajudar o paciente a aceitar a sua situação. De maneira geral, é sempre preferível pô-lo ao corrente. Mesmo os animais pressentem a morte, quanto mais não será no caso de um ser humano? Como podemos nós acreditar que o doente não sente a angústia dos que o rodeiam?

 

A atitude de manter o paciente na ignorância supõe que, depois de morto, ele terá deixado de existir, terá desaparecido como por encanto e que portanto, uma vez que a morte não passa de um instante difícil que depressa acaba, não vale a pena prepará-lo. Segundo o Budismo, como vimos, não é nada disso que se passa, e a maneira como morremos é bastante determinante para o próximo renascimento.

 

Quer a pessoa seja crente ou não, o mais importante é ajudá-la a resolver os conflitos interiores e exteriores, reconciliar-se com as pessoas a quem fez mal e perdoar aos que lhe fizeram mal. É bom que ela se desapegue dos bens, do estatuto social, da fama, da família, em resumo de tudo aquilo de que gosta e que terá de deixar. Perante a iminência da morte, todas as acções negativas cometidas com fins mesquinhos deixam-nos roídos pelo remorso. Quem tenha vivido mal pode morrer torturado pelo remorso e rodeado pelos ódios que acendeu. Será particularmente difícil ajudar uma pessoa dessas.

 

Todas essas coisas que destróem a nossa paz de espírito podem continuar a torturar-nos durante o estado intermediário, por isso, embora seja importante ajudar alguém a morrer, é preciso saber que o melhor preparativo para a morte é viver de um modo honesto e pacífico.

 

Um aspecto importante da ajuda que podemos dar a um moribundo é o de criar um ambiente calmo. O moribundo está angustiado por deixar tudo o que lhe é familiar e partir para um mundo desconhecido, é pois importante não o confrontar com as manifestações excessivas de dor por parte dos familiares. Enquanto ele está a tentar não entrar em pânico ao viver todas as experiências estranhas e aterradoras do momento da morte, poupemos-lhe os gritos, as lágrimas e a agitação à sua volta.

 

Podemos falar-lhe num tom de voz suave, mesmo quando parece já não nos ouvir, tentando acalmá-lo e explicando-lhe que a morte é um fenómeno natural que faz parte da vida. O importante é encontrar os argumentos que convêm para cada caso e para isso, o melhor é deixar falar o coração.

 

Quem tenha muito contacto com a morte, não deixará de reparar que a maneira como as pessoas morrem depende da vida que levaram. Nesse momento não há cunhas que nos salvem do que nós próprios criámos nas nossas relações com os outros e nós mesmos.

 

No que respeita á morte, como aliás a todas as fases da vida, o Budismo afirma justamente que os nossos actos determinam a natureza das nossas experiências e portanto, mesmo uma pessoa sem religião, que não seguiu nenhum treino espiritual particular, mas que viveu sem ódio nem rancor, sem fazer mal aos seres vivos e com um sentido dos valores humanos de solidariedade e de calor, que não tenha tido inimizades intensas nem preferências muito marcadas por certas pessoas, morrerá geralmente em paz, terá um bardo tranquilo e renascerá numa forma de existência superior.

 

O treino Budista de base leva-nos a respeitar esta lei da causalidade das nossas acções, incita-nos á prática da não-violência e ao desenvolvimento da compaixão, permitindo-nos ter uma morte serena, em paz com nós mesmos.

 

O praticante mais experimentado, que se tiver familiarizado com as fases de dissolução da consciência, poderá permanecer consciente em todas elas e levar consigo, para a próxima vida, a resultante das experiências e dos conhecimentos adquiridos nesta. Embora possa não ter recordações exactas de sítios e acontecimentos, terá uma predisposição para as atitudes positivas e aptidão para continuar o caminho espiritual iniciado numa vida anterior.

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No que respeita aos grandes Mestres, seres cuja mestria do espírito é grande, eles podem pura e simplesmente nunca perder consciência e guardar intactas todas as aquisições e as experiências da vida que deixaram. Inúmeras histórias atestam esta capacidade, como por exemplo, aquela que aparece no filme Kundun, baseado na auto-biografia do Dalai Lama: quando era muito pequeno o actual Dalai Lama lembrava-se perfeitamente do sítio onde a sua anterior encarnação tinha guardado a dentadura postiça, um detalhe que todos desconheciam.

 

Esta vitória sobre a vida, a morte e o renascimento é precisamente um dos objectivos da prática Budista e uma conquista que, segundo o ensinamento do Buda, é perfeitamente acessível a todos aqueles que se dedicam a uma prática de transformação do espírito, como a que o Budismo propõe.

..]एकम् सत्. .

*ąĥïmşą*

ॐ Illusion World - Let The Cosmic Dance Begin ॐ

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para mim um dos melhores textos alguma vez escritos sobre a filosofia de vida,morte e renascimento budista!!! :)

aconselho-o plenamente!! ;)

..]एकम् सत्. .

*ąĥïmşą*

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  • 2 weeks later...
Quem nunca teve na vida um momento em que se apercebeu que cada dia a mais é um dia a menos?

ah pois é :)

..]एकम् सत्. .

*ąĥïmşą*

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  • 2 months later...
  • 4 weeks later...

;)

ha autores mta bons realmente :lol:

LOL

 

PLUR*

..]एकम् सत्. .

*ąĥïmşą*

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