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Ética


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“A teoria da virtude baseia‑se em grande parte na Ética a Nicómaco de Aristóteles, sendo por isso por vezes conhecida como neo‑aristotelismo […]. Ao contrário dos kantianos e dos utilitaristas, que se concentram tipicamente na rectidão ou não de acções particulares, os teóricos da virtude concentram‑se no carácter e estão interessados na vida da pessoa como um todo. A questão central para os teóricos da virtude é «Como devo viver?”. A resposta por eles dada a esta questão é: cultive as virtudes. Só cultivando as virtudes poderemos prosperar como seres humanos.

De acordo com Aristóteles, toda a gente quer prosperar. A palavra grega usada para «prosperar» era eudaimonia, por vezes traduzida por «felicidade». Mas esta tradução pode gerar confusões, uma vez que Aristóteles acreditava que podíamos ter muito prazer físico, por exemplo, sem alcançar a eudaimonia. A eudaimonia aplica‑se a toda uma vida e não apenas a estados particulares em que nos podemos encontrar em certos momentos. Talvez «verdadeira felicidade» seja uma tradução melhor, mas dá a ideia errada de que a eudaimonia é um estado de espírito de bem‑aventurança que se alcança, em vez de ser uma forma de viver a vida com sucesso. Aristóteles acreditava que certas formas de vida promoviam a prosperidade, tal como certas formas de cuidar de uma cerejeira farão que cresça, floresça e dê frutos.

Aristóteles defendia que a maneira de prosperar como ser humano é cultivar as virtudes. Mas o que é uma virtude? É um padrão de comportamento e sentimento: uma tendência para agir de certa maneira e desejar e sentir certas coisas em certas situações. Ao contrário de Kant, Aristóteles pensava que ter as emoções apropriadas era essencial para a arte de viver bem. Uma virtude não é um hábito irreflectido; ao invés, implica um juízo inteligente sobre a resposta apropriada à situação em que nos encontramos.

Uma pessoa que tenha a virtude de ser generosa sentir‑se-ia generosa e agiria generosamente nas situações apropriadas. Isto envolveria ajuizar a situação e a sua resposta como apropriadas. Uma pessoa virtuosa, colocada na situação do Bom Samaritano, sentiria compaixão pelo homem abandonado no caminho, ao mesmo tempo que agiria caridosamente em relação a ele. Um samaritano que se limitasse a ajudar a vítima por ter previsto um benefício futuro para si mesmo não estaria a agir virtuosamente uma vez que a generosidade implica dar sem pensar no benefício próprio.

Se o Samaritano tivesse chegado no momento em que os ladrões atacavam a sua desventurada vítima, e se tivesse a virtude da coragem, teria vencido o medo e enfrentado os ladrões. Ser corajoso é, em grande parte, ser capaz de vencer o medo.

Virtudes como a generosidade e a coragem são, pensam os teóricos da virtude, necessárias para que qualquer ser humano viva bem. Isto pode dar a impressão de que uma pessoa virtuosa poderia escolher escrupulosamente num catálogo de virtudes aquelas que quereria desenvolver, ou de que alguém que tivesse uma única virtude muito desenvolvida poderia ser virtuosa. Contudo, isto seria um mal‑entendido. Para Aristóteles, uma pessoa virtuosa é alguém que harmonizou todas as virtudes: elas têm de ser incorporadas na estrutura da vida da pessoa virtuosa.

Uma grande dificuldade da teoria da virtude é estabelecer que padrões de comportamento, desejo e sentimento devem contar como virtudes. A resposta do teórico da virtude é: aquelas virtudes de que os seres humanos carecem para prosperar. Mas isto não oferece, na verdade, muita ajuda. Os teóricos da virtude apresentam muitas vezes listas de virtudes tais como a benevolência, a honestidade, a coragem, a generosidade e a lealdade, etc., analisando‑as com algum pormenor. Mas, uma vez que não existe completa coincidência entre as várias listas, há espaço para debater o que deve ser incluído. E nem sempre é claro com que fundamento se elege algo como uma virtude.

O perigo consiste na possibilidade de os teóricos da virtude se limitarem a redefinir os seus preconceitos e formas de vida preferidas como virtudes e as actividades de que não gostam como vícios. Uma pessoa que gosta de boa comida e bebida pode declarar que o estímulo subtil das papilas gustativas faz parte essencial de uma boa vida humana, sendo portanto uma virtude gostar de boa comida e bebida. […] Outra crítica à teoria da virtude é o facto de pressupor a existência de uma coisa a que chama a natureza humana, existindo por isso padrões gerais de comportamento e sentimentos apropriados para todos os seres humanos. Contudo, esta ideia tem sido posta em causa por muitos filósofos que acreditam ser um grave erro presumir a existência de uma natureza humana.” (Nigel Warburton, Philosophy: the Basics, London/New York, Routledge, 19993, pp.54‑57; Elementos Básicos de Filosofia, Lisboa, Gradiva, trad. de António Franco Alexandre e Desidério Murcho, 1998, pp.87‑91.)

 

BIBLIOGRAFIA:

 

G.E. Anscombe, “Modern moral philosophy”, Philosophy 33 (1958) 1-19

Philippa Foot, Virtues and Vices and other Essays in Moral Philosophy, Oxford, Blackwell, 1978 (Oxford, Clarendon Press, 2002)

Philippa Foot, Natural Goodness, Oxford, 2001

Hurtshouse, On Virtue Ethics, Oxford, Oxford University Press, 1999

Alsdair MacIntyre, After Virtue. A Study in Moral Theory, Ind., University of Notre Dame Press, 1981 (London, Duckworth, 1985)

Iris Murdoch, The Sovereignty of Good, London, Ark, 1985

Martha Nussbaum, The Fragility of Goodness, Cambridge, Cambridge University Press, 1986

Amélie Oksenberg Rorty, Essays on Aristotle’s Ethics, University of California Press, 1980

M.Slote, From Morality to Virtue, New York/Oxford, Oxford University Press, 1992

C.Swanton, Virtue Ethics, New York/Oxford, Oxford University Press, 2003

 

 

 

 

Fonte

"Atenção em vez de eficiencia, fluxo suave em vez de velocidade"

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